Onde Nasce a Intolerância: Raízes Psicológicas, Sociais e Culturais


Foto:Andrea Piaquadio/Pexels


A intolerância, infelizmente, é uma das marcas mais persistentes da humanidade. Manifesta-se de várias formas: religiosa, étnica, política, cultural, sexual e até mesmo estética. Apesar de parecer um comportamento aprendido ao longo da vida, suas raízes são profundas, complexas e se entrelaçam com aspectos individuais, coletivos e históricos. Para compreendê-la, é necessário olhar para dentro e para fora — para a mente humana e para os sistemas sociais nos quais ela está inserida.



1. A construção da identidade e o medo do diferente

A identidade humana é construída a partir da convivência com o outro. Desde cedo, aprendemos quem somos com base nos grupos aos quais pertencemos — família, religião, nação, etnia, cultura. Essa construção gera uma sensação de pertencimento, segurança e previsibilidade.

A intolerância, muitas vezes, nasce quando esse senso de identidade é ameaçado ou desafiado. O "outro" — aquele que pensa diferente, tem outra crença, outra aparência ou outro modo de viver — é percebido como uma ameaça simbólica. O medo do desconhecido, o desejo de preservar a própria identidade e a crença em verdades absolutas criam o terreno fértil para a intolerância florescer.

O psicólogo social Henri Tajfel (1982) formulou a Teoria da Identidade Social, segundo a qual as pessoas tendem a favorecer seu próprio grupo (endogrupo) em detrimento dos outros (exogrupos), o que pode gerar preconceitos e estigmatizações. Essa tendência à categorização é natural, mas pode se tornar perigosa quando associada a ideologias extremistas ou narrativas excludentes.



2. O papel do medo, da insegurança e da ignorância

A intolerância também se alimenta do medo e da insegurança — emocionais, econômicas, políticas ou existenciais. Em momentos de crise, é comum surgir um "bode expiatório": minorias sociais, imigrantes, religiões diferentes ou ideologias políticas diversas.

A ignorância, por sua vez, é um dos combustíveis mais potentes da intolerância. O desconhecimento sobre o outro, sobre sua cultura, sua fé, sua história e seus direitos, facilita a propagação de estereótipos e preconceitos. A educação crítica e humanista é um antídoto poderoso contra esse processo, mas quando ela falha ou é negada, abre-se espaço para a radicalização.



3. A influência histórica e cultural

Ao longo da história, regimes autoritários e sistemas de dominação frequentemente utilizaram a intolerância como ferramenta de controle. A escravidão, o colonialismo, o nazismo, o apartheid, a Inquisição, entre tantos outros episódios, revelam como a intolerância pode ser institucionalizada e legitimada por discursos de poder.

A cultura também desempenha um papel ambíguo: pode tanto reforçar preconceitos quanto ser instrumento de resistência e libertação. A literatura, o cinema, a música, as artes visuais e as tradições orais têm o poder de aproximar mundos diferentes e humanizar o outro. No entanto, quando manipuladas, essas mesmas expressões podem alimentar o ódio, o fanatismo e a segregação.



4. Intolerância nas redes sociais e na era digital

Com o avanço das tecnologias de comunicação, a intolerância encontrou um novo campo de expansão. As redes sociais criaram bolhas ideológicas onde discursos de ódio, desinformação e extremismos circulam com facilidade e rapidez. O anonimato virtual reduz a empatia e favorece ataques, cancelamentos e polarizações.

Além disso, os algoritmos reforçam visões de mundo unilaterais, mostrando aos usuários apenas conteúdos que confirmam suas crenças, e excluindo o contraditório. Isso intensifica a intolerância ao pensamento divergente, reduz a capacidade de diálogo e amplia a radicalização.



5. Caminhos para combater a intolerância

Embora a intolerância tenha raízes profundas, ela não é inevitável. Ela é aprendida — e, portanto, pode ser desaprendida. Combater a intolerância exige ação em múltiplas frentes:

  • Educação: promover uma formação cidadã, ética, inclusiva e voltada para os direitos humanos.

  • Diálogo: criar espaços de escuta e troca entre diferentes grupos sociais.

  • Empatia: estimular o olhar para o outro com compaixão e compreensão.

  • Memória: conhecer os erros do passado para que não se repitam no presente.

  • Políticas públicas: garantir proteção e dignidade para todos, especialmente os mais vulneráveis.

É necessário, sobretudo, cultivar a humildade de reconhecer que o mundo é vasto, plural e dinâmico. Que ninguém detém a verdade absoluta. Que as diferenças não ameaçam — elas enriquecem.



Conclusão

A intolerância nasce da combinação entre o medo, a ignorância, a insegurança e a rigidez identitária. Mas ela não é um destino. Ao reconhecermos suas origens, podemos enfrentá-la com coragem, consciência e humanidade. O desafio é grande, mas é também uma das tarefas mais nobres da nossa época: reaprender a conviver.



Referências

  • TAJFEL, Henri. Human Groups and Social Categories. Cambridge University Press, 1982.

  • BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Zahar, 2008.

  • SANTOS, Boaventura de Sousa. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. Boitempo, 2016.

  • UNESCO. Educação para a Cidadania Global: Preparando alunos para os desafios do século XXI. Paris: Unesco, 2015.

  • ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. In: Educação e Emancipação. Paz e Terra, 1995.

 E você, já parou para pensar de onde nasceu a intolerância que você presenciou — ou até, sem querer, reproduziu?

Comenta aqui👇

Comentários