Nas últimas décadas, mudanças profundas vêm transformando a maneira como entendemos as fases da vida humana. O aumento da expectativa de vida, os avanços da medicina, a revolução digital e alterações nas dinâmicas familiares e educacionais impactaram diretamente a infância, a adolescência e a vida adulta.
Mas o que dizem as pesquisas sobre essas transformações? Como os países estão se preparando para lidar com uma infância mais curta, uma adolescência mais longa e uma vida adulta que se estende até idades antes consideradas “velhice”?
1. O aumento da longevidade e seus efeitos
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1950 a expectativa média de vida global era de cerca de 47 anos. Em 2023, esse número já ultrapassava 73 anos, e estima-se que, até 2050, chegue a 77 anos.
Esse fenômeno não apenas amplia a quantidade de anos vividos, mas altera a distribuição das fases da vida. Vivemos mais, mas também vivemos de formas diferentes.
2. Infância mais curta?
Enquanto vivemos mais tempo, paradoxalmente, a infância parece estar se “encurtando” em alguns aspectos.
Pesquisas do UNICEF mostram que cerca de 80% das crianças entre 8 e 12 anos já acessam regularmente a internet, sendo expostas a conteúdos e estímulos antes restritos a adultos.
Essa “infância digital” acelera o contato com informações, modelos de comportamento e consumo, muitas vezes antecipando vivências que, no passado, eram características da adolescência ou mesmo da vida adulta.
Por outro lado, especialistas advertem que o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças não ocorre na mesma velocidade que o acesso à tecnologia. Assim, essa infância mais curta é, na verdade, uma antecipação comportamental, mas não necessariamente maturacional.
3. Adolescência mais longa
O conceito de adolescência é relativamente recente: surge no século XX, quando a sociedade passou a reconhecer essa fase como distinta da infância e da vida adulta.
Hoje, diversos estudos apontam que a adolescência se estende para além dos 19 anos tradicionalmente considerados como seu limite. A OMS já reconhece a faixa etária dos 10 aos 24 anos como um período que pode ser caracterizado como “adolescência prolongada”.
Essa mudança se deve a fatores como:
Prolongamento da educação formal (ensino superior, pós-graduações).
Entrada tardia no mercado de trabalho.
Adiamento de marcos tradicionais da vida adulta (casamento, filhos, independência financeira).
Segundo relatório da OCDE (2022), a média de idade para sair da casa dos pais em países europeus varia entre 25 e 29 anos, enquanto na década de 1970 essa média era de 21 anos.
4. A adultez emergente
O psicólogo Jeffrey Arnett propôs, em 2000, o conceito de “Emerging Adulthood” (ou “adultez emergente”), defendendo que dos 18 aos 29 anos, muitos indivíduos vivem uma fase de exploração e instabilidade, antes de assumir plenamente as responsabilidades adultas.
Essa categoria vem ganhando força em pesquisas sociológicas, mostrando que não há mais uma transição linear e homogênea da adolescência para a vida adulta.
5. O desafio para as políticas públicas
As transformações nas fases da vida exigem adaptação dos sistemas sociais, educacionais e econômicos. Veja como alguns países estão respondendo:
Educação:
Finlândia: promove educação ao longo da vida e incentiva jovens adultos a permanecerem em formação até os 30 anos.
Brasil: o Estatuto da Juventude (2013) reconhece a juventude até os 29 anos.
Saúde:
OMS: incentiva políticas de saúde mental para adolescentes e jovens adultos, destacando que o cérebro humano segue em desenvolvimento até cerca dos 25 anos.
Reino Unido: expansão de serviços de saúde para jovens até os 25 anos, especialmente para transtornos de ansiedade e depressão.
Trabalho e previdência:
A maioria dos países está ajustando a idade para aposentadoria, diante do envelhecimento populacional.
Segundo a ONU, o número de pessoas com 65 anos ou mais deve dobrar até 2050, chegando a 1,6 bilhão.
Família e cultura:
Incentivos à parentalidade tardia, com políticas de apoio à conciliação entre trabalho e vida familiar.
Discussão sobre novas formas de família e redefinição dos papéis tradicionais.
6. Reflexões finais: o ciclo da vida em transformação
As classificações etárias sempre foram construções culturais e históricas. Hoje, vivemos um momento em que as fronteiras entre infância, adolescência e adultez estão mais fluidas.
A infância não é mais um espaço protegido e isolado; a adolescência se prolonga, enquanto a adultez se reinventa frente à longevidade e à busca por qualidade de vida até idades muito avançadas.
Como afirmou o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos tempos líquidos, em que as estruturas tradicionais se dissolvem rapidamente, exigindo de nós uma nova capacidade de adaptação e resiliência.
Referências
Arnett, J. J. (2000). Emerging adulthood: A theory of development from the late teens through the twenties. American Psychologist.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatórios sobre envelhecimento e saúde.
UNICEF. State of the World's Children (2023).
OCDE. Youth and the Transition to Adulthood (2022).
Organização das Nações Unidas (ONU). World Population Prospects (2022).
Bauman, Z. (2000). Modernidade Líquida.

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