Entre memória, afeto e mercado
Todo ano, o segundo domingo de maio carrega flores, presentes e abraços — mas também silêncios, ausências e dores não ditas. O Dia das Mães tornou-se, para muitos, uma data de celebração; para outros, um lembrete de feridas abertas. O que esquecemos ao simplesmente comemorar? Que histórias estão por trás desse ritual social tão forte e tão pouco questionado?
Neste texto, convido você a refletir sobre a origem desse dia, sua apropriação comercial e os sentidos que ele pode carregar em uma sociedade plural e desigual.
Uma origem marcada pela memória e pela paz
Antes de ser absorvido pela lógica do mercado, o Dia das Mães nasceu de uma memória: a de Ann Reeves Jarvis, uma ativista norte-americana que lutava pela saúde pública e pela paz durante a Guerra Civil nos Estados Unidos. Sua filha, Anna Jarvis, criou a data como forma de homenagear essa trajetória de cuidado e engajamento ético.
O primeiro Dia das Mães oficial foi celebrado em 1908, com a intenção clara de reforçar os laços familiares e a importância do amor, da escuta e da compaixão entre gerações.
Mas bastaram poucos anos para que essa homenagem íntima fosse transformada em uma oportunidade de lucro.
No Brasil, a força do Estado e do comércio
O Dia das Mães foi oficializado em 1932 por Getúlio Vargas, com apoio da Igreja Católica. A intenção era promover os valores da “família tradicional” e fortalecer o papel da mulher no lar.
Com o passar do tempo, a publicidade assumiu o controle simbólico da data: campanhas publicitárias emocionais, vitrines temáticas e slogans que reforçam uma única imagem de maternidade — feliz, acolhedora, devotada, e sempre disponível.
A pergunta que se impõe é: qual mãe é essa?
A construção da mãe ideal: doce, forte e silenciosa
A idealização da maternidade perpetuada nesse feriado muitas vezes ignora as contradições da vida real.
E as mães que adoeceram, que se perderam de si mesmas?
As que criam sozinhas em contextos precários?
As que não puderam ser mães, ou não quiseram?
A mãe real sente culpa, cansaço, raiva, ambivalência. Ela é humana — e precisa ser reconhecida como tal.
As vozes que não cabem nas vitrines
Para muitas pessoas, o Dia das Mães também é um território delicado:
Filhos órfãos, mães que perderam seus filhos,
Mães distantes, vínculos rompidos,
Filhos rejeitados ou negligenciados,
Mães LGBTQIAPN+, mães adotivas, mães avós.
A dor, o luto, o vazio ou o descompasso não aparecem nas campanhas de flores e perfumes. No entanto, eles existem, e precisam ser ouvidos.
Ressignificar é possível
Celebrar o Dia das Mães não precisa ser um ato automático.
Podemos escolher vivê-lo como um espaço de memória verdadeira, acolhimento das contradições e afeto desarmado.
Talvez o maior presente que possamos oferecer — a nós mesmos e a quem nos criou — seja um olhar mais honesto, mais amoroso e menos condicionado pelo consumo.
Mãe também é gente. E gente, para ser honrada, precisa ser vista por inteiro.
O que é ser mãe pra você? Comenta aqui!

Comentários
Postar um comentário
Digite aqui seu comentário